Um dos livros que encontramos (e compramos) e que recomendamos é a 5a. edição de 2002, duma obra de 1993, da Caminho, na zona da Leya, que se pode comprar por 20 € durante a feira. Trata-se de uma obra integrada na exposição workers no Centro Cultural de Belém em Jumho de 1993 no Mês da Fotografia.
título : O Trabalho - Uma Arqueologia da Era Industrial"
autor(es) : Sebastião Salgado
400 páginas cerca de 27 X 33 cm cartonada, fotos de página inteira ou dupla página efetuadas em Brasil, Cuba, Ruanda, Reunião, Espanha, Itália, EUA, Bangladesh, Cazaquistão, China, Índia, Ucrânia, Rússia, Polónia, França, Indonésia, Kuwait e Inglaterra
"Este livro é uma prova de respeito pelos trabalhadores, uma despedida de um mundo de trabalho manual que lentamente vai desaparecendo e uma homenagem àqueles homens e àquelas mulheres que continuam a trabalhar como trabalharam durante séculos"
Sebastião (Ribeiro) Salgado é um economista brasileiro (com mestrado em 1967 e doutoramento em França em 1971 nesta área), nascido em Minas Gerais em 1944 que decidiu abraçar a fotografia como forma de documentar condições sociais desumanas normalmente a preto e branco. Diz-se que em 1970, a trabalhar como economista para a Organização Internacional do Café, apercebeu-se ao fotografar os cafezais africanos, que a fotografia retratava melhor a situação econômica local do que muitos estudos estatísticos e teóricos. Atualmente é provavelmente um dos fotojornalistas mais respeitado com inúmeros prêmios e exposições pelo mundo fora.
transcrevemos um artigo publicado na revista do Expresso em 19 Junho de 1993 sobre a exposição no CCB
"O fim de século como epopeia"
EXPRESSO/Revista de 19 Junho 1993
A AMBIÇÃO e o gigantismo do trabalho de Sebastião Salgado têm alguns (raros) precedentes, mas há um facto inédito na exposição que o Centro Cultural de Belém acolheu por iniciativa do Mês da Fotografia. É a primeira vez que em Portugal é possível ver uma obra de tal importância no momento exacto da sua divulgação mundial.
São 250 imagens em exibição e mais do dobro projectadas em dois diaporamas — uma das quatro edições (mais uma quinta abreviada) da exposição «Trabalho» (ou «Workers / La Main de l'Homme / Trabajadores», etc) em circulação simultânea por vários continentes. E ainda um livro publicado em português pela Caminho, com 395 fotografias e a excepcional qualidade de impressão assegurada pela co-edição internacional em oito versões nas oficinas de Jean Guenoud, na Suiça (Trabalho — uma Arqueologia da Era Industrial, 400 págs + separata de legendas com 24 págs., 19 950$00).
São 250 imagens em exibição e mais do dobro projectadas em dois diaporamas — uma das quatro edições (mais uma quinta abreviada) da exposição «Trabalho» (ou «Workers / La Main de l'Homme / Trabajadores», etc) em circulação simultânea por vários continentes. E ainda um livro publicado em português pela Caminho, com 395 fotografias e a excepcional qualidade de impressão assegurada pela co-edição internacional em oito versões nas oficinas de Jean Guenoud, na Suiça (Trabalho — uma Arqueologia da Era Industrial, 400 págs + separata de legendas com 24 págs., 19 950$00).
Tudo, nesta aventura de Sebastião Salgado, se afigura desmesurado: a década que decorreu desde a sua concepção, em 1982-84; os seis anos de deambulação por vários continentes, entre 1986 e 91; a difusão mundial das diferentes reportagens disputada por revistas e jornais de inúmeros países, incluindo o EXPRESSO, que as publicou em destacáveis da «Revista» entre 26 de Outubro e 7 de Dezembro de 1991; a mobilização das maiores instituições dededicadas à fotografia, a Magnum, a Kodak, a Fundação Aperture, de Nova Iorque, o Centre National de la Photographie, de Paris (sem esquecer a sua mulher, Lélia Wanick Salgado, a imprescindível directora de toda a operação); e, por último, o êxito de público que acompanha esta exposição (mais de 25 mil pessoas em Paris, nas primeiras três semanas).
Mas esta superprodução fotográfica não é construída apenas sobre um efeito de quantidade, mesmo que esta lhe seja essencial: Salgado quis estabelecer um panorama do estado do mundo à beira do fim do século — «Estas imagens, estas fotografias, são o registo de uma era, uma espécie de arqueologia de um tempo que a história conhece pelo nome de Revolução Industrial. Um tempo no qual o eixo central do mundo estava naquilo que estas imagens registam: o trabalhador, a mão do homem» — e propor uma resposta para a situação que documentou — «Criar um mundo novo, revelar a nova vida, recordar que existe um limite, uma fronteira para tudo, excepto para o sonho humano. Moldar com as mãos o mundo, revelar com os olhos a vida, recordar nos sonhos aquilo que virá».
Mas esta superprodução fotográfica não é construída apenas sobre um efeito de quantidade, mesmo que esta lhe seja essencial: Salgado quis estabelecer um panorama do estado do mundo à beira do fim do século — «Estas imagens, estas fotografias, são o registo de uma era, uma espécie de arqueologia de um tempo que a história conhece pelo nome de Revolução Industrial. Um tempo no qual o eixo central do mundo estava naquilo que estas imagens registam: o trabalhador, a mão do homem» — e propor uma resposta para a situação que documentou — «Criar um mundo novo, revelar a nova vida, recordar que existe um limite, uma fronteira para tudo, excepto para o sonho humano. Moldar com as mãos o mundo, revelar com os olhos a vida, recordar nos sonhos aquilo que virá».
O INVENTÁRIO, aqui, é também epopeia, o inquérito é também manifesto, mas exaustivamente fundamentado pela formação de economista de Sebastião Salgado (nasceu em Aimores, Minas Gerais, em 1944; estudou direito durante um ano e depois economia; fez o mestrado nas Universidades de São Paulo e Vanderbilt, USA, 1968, e o doutoramento em economia agrária pela U. de Paris, 69-71; trabalhou em Londres para a Organização Internacional do Café, 71-73, antes de enveredar pelo foto-jornalismo e de fazer em Portugal, em 1975, a «escola de fotojornalismo»). A sua obra é um último apelo para mudar o planeta: é um discurso globalizador sobre um mundo apreendido como um eco-sistema ameaçado. Entre a mão e o sonho, porque «a história do ser humano é a história da perseverança» e porque «não existem sonhos solitários». Dir-se-ía que o Trabalho, título da edição portuguesa, é a revisão necessária de outro livro fundador, O Capital.
No terreno da fotografia, é a um recentramento da sua história e da sua eficácia que se assiste. A fotografia mostra, é um admirável instrumento de observação do real, desde, por exemplo, o projecto de Edward S. Curtis para fixar o retrato da América índia em extinção, entre 1900 e 1930, ou da campanha para a Farm Secutity Administration, 1935-41 — é, aliás, com os maiores projectos colectivos da história da fotografia que se mede a actividade de Salgado. E deve fazê-lo com a máxima perfeição formal possível para ser a evidência de uma verdade total, em que se inscreve desde logo a vontade da mudança: «Seria um crime apresentar uma fotografia mal composta, era como violar a fortaleza desta gente. A preocupação estética é para se compreender melhor o problema social», dizia na entrevista publicada por Jorge Calado no EXPRESSO de 13/4/90, a propósito de Autres Ameriques (86).
No terreno da fotografia, é a um recentramento da sua história e da sua eficácia que se assiste. A fotografia mostra, é um admirável instrumento de observação do real, desde, por exemplo, o projecto de Edward S. Curtis para fixar o retrato da América índia em extinção, entre 1900 e 1930, ou da campanha para a Farm Secutity Administration, 1935-41 — é, aliás, com os maiores projectos colectivos da história da fotografia que se mede a actividade de Salgado. E deve fazê-lo com a máxima perfeição formal possível para ser a evidência de uma verdade total, em que se inscreve desde logo a vontade da mudança: «Seria um crime apresentar uma fotografia mal composta, era como violar a fortaleza desta gente. A preocupação estética é para se compreender melhor o problema social», dizia na entrevista publicada por Jorge Calado no EXPRESSO de 13/4/90, a propósito de Autres Ameriques (86).
De facto, a todos os discursos sobre o excesso de imagens e a indiferença nascida da simultânea mediatização de todos os lugares, Salgado responde também pelo excesso: de imagens nunca vistas, de visibilidade em cada um dos seus fotogramas, de energia e dignidade das personagens da sua epopeia, de concentração de multidões em movimento nos 35 milímetros de película impressionada a 1/250 de segundo.
Não é o único caminho da fotografia, mas por vezes, como aqui, é possível reconhecê-lo como o caminho decisivo. Sabendo-se que a sua eficácia reside não na «pureza» do meio (a ideia de «fotografia pura» é um vestígio de debates de outros tempos), mas na determinação, no saber e na emoção de um olhar. E na solidez de um projecto maduramente concebido («Para ele não há momentos decisivos, apenas vidas decisivas e por isso fotografa 'com toda a sua cultura e toda a sua ideologia'», J. Calado, EXPRESSO, 26/10/91).
Não é o único caminho da fotografia, mas por vezes, como aqui, é possível reconhecê-lo como o caminho decisivo. Sabendo-se que a sua eficácia reside não na «pureza» do meio (a ideia de «fotografia pura» é um vestígio de debates de outros tempos), mas na determinação, no saber e na emoção de um olhar. E na solidez de um projecto maduramente concebido («Para ele não há momentos decisivos, apenas vidas decisivas e por isso fotografa 'com toda a sua cultura e toda a sua ideologia'», J. Calado, EXPRESSO, 26/10/91).
É TODO um atlas da sobrevivência do trabalho manual no mundo de hoje que Salgado estabelece: as agriculturas extensivas da cana-de-açucar no Brasil e em Cuba, do chá no Ruanda, do tabaco em Cuba e dos perfumes na ilha francesa da Reunião; depois, a pesca tradicional, na Galiza e na Sicília (o atum), e um matadouro no Dakota do Sul; a seguir, mais largamente, as indústrias, com os têxteis no Bengladesh e no Casaquistão, as bicicletas na China, motoretas e motos na Índia, automóveis na Ucrânia, Rússia, Índia e China (onde são ainda os homens que trabalham e não robots como nas fábricas dos países mais desenvolvidos), os estaleiros da Polónia e da França, logo seguidos pelo seu oposto grotesco, o desmantelamento de navios nas praias do Bengladesh, e as indústrias extractivas, titânio e magnésio no Cazaquistão, aço em França e na Ucrânia, com uma deriva pelos caminhos-de-ferro em França, e ainda o minério de ferro, novamente no Cazaquistão. E a viagem continua com as descidas aos infernos do carvão na Índia, do enxofre na Indonésia, do ouro na Serra Pelada, Brasil. Depois é o mundo do petróleo, com as plataformas marítimas de Baku e a operação de controlo dos poços do Kuwait, no final da guerra. Por último, os grandes desafios que mudam a superfície da terra, o Eurotúnel da Mancha, a barragem de Sandor Sarovar e o canal Rajasthan, ambos na Índia.
Cada um destes tópicos conta uma história e condensa um filme no tempo necessário: dos planos gerais da paisagem alterada passamos ao plano aproximado das mãos que trabalham, conhecemos os gestos repetidos, o esforço e o descanso de homens, mulheres e crianças. Há retratos que se destacam, de olhos nos olhos, e há grupos que se formam, talvez para a despedida do fotógrafo que viveu demoradamente com os trabalhadores em cada um dos lugares visitados. Num dos diaporamas pode assistir-se ao mais empolgante desfile de retratos que recordo, fixando aceleradamente os rostos, os corpos e os grupos de gente de todas as raças — é a humanidade que Salgado fotografa no que julgamos, à distância, ser apenas trabalho desumanizado e exploração (é também a mítica exposição «The Family of Man», de 1956, que Salgado refaz sozinho, mas sem as marcas do humanismo idealista que Barthes criticou nas Mythologies: é a história, a história do trabalho e da «perseverança», que está «no fundo» destas fotografias e não «a natureza, as suas 'leis' e os seus 'limites'».)
Cada um destes tópicos conta uma história e condensa um filme no tempo necessário: dos planos gerais da paisagem alterada passamos ao plano aproximado das mãos que trabalham, conhecemos os gestos repetidos, o esforço e o descanso de homens, mulheres e crianças. Há retratos que se destacam, de olhos nos olhos, e há grupos que se formam, talvez para a despedida do fotógrafo que viveu demoradamente com os trabalhadores em cada um dos lugares visitados. Num dos diaporamas pode assistir-se ao mais empolgante desfile de retratos que recordo, fixando aceleradamente os rostos, os corpos e os grupos de gente de todas as raças — é a humanidade que Salgado fotografa no que julgamos, à distância, ser apenas trabalho desumanizado e exploração (é também a mítica exposição «The Family of Man», de 1956, que Salgado refaz sozinho, mas sem as marcas do humanismo idealista que Barthes criticou nas Mythologies: é a história, a história do trabalho e da «perseverança», que está «no fundo» destas fotografias e não «a natureza, as suas 'leis' e os seus 'limites'».)
SEBASTIÃO Salgado não podia saber que o tempo do seu trabalho (86-91) ía ser o mesmo da derrocada dos «socialismos reais». No entanto, a obra que construíu, sobre as supostas fronteiras políticas, a Leste e a Oeste, é, agora, a mais formidável resposta de esquerda ao desabar das esperanças de largos sectores das classes trabalhadoras e, num mesmo processo convergente, das concepções políticas libertadoras que assentavam nas condições do trabalho nascidas com a Revolução industrial.
A classe operária clássica, cujas condições de exploração teriam proporcionado a tomada de consciência do seu poder colectivo, dissolve-se, na Europa, num processo de terciarização crescente das economias mais desenvolvidas. Os poderes que se ergueram em seu nome, usurpando-o como miragem messiânica ou ficção despótica, desmoronaram-se por toda a parte. O que resta do trabalho? O que fotografa Sebastião Salgado. A dignidade, a força física, a vontade de resistir, o sonho.
A seu modo, ele refaz uma última Internacional («neste fim de século, que viu desmoronar o marxismo de estado, Salgado realiza fotograficamente o impossível: a reunião, pela última vez, dos proletários de todo o mundo», escreveu Jorge Calado, EXPRESSO, 26/10/91), irmanando os trabalhores ocupados nas mono-culturas que alimentam o Primeiro e o segundo Mundo, com os das grandes unidades industriais que utilizam a mão-de-obra intensivo do Terceiro Mundo (a transferência das indústrias pesadas e poluentes para fora dos países desenvolvidos) ou com as empresas faraónicas votadas à conquista da sobrevivência, como a construção dos canais de irrigação na Índia.
Salgado fotografa a permanência de práticas produtivas inalteradas desde há séculos (o açucar, as pescas), que sobreviveram às concepções simplistas do progresso, mas não descrê da mudança: para ele, «a crescente automatização de indústrias no mundo superdesenvolvido reflecte a materialização do conhecimento da espécie humana como um todo e de sua evolução».
Por outro lado, as suas fotografias são, num território cultural habitado pela ideia de catástrofe de fim de século, um olhar apostado no futuro. A produção artística que ocupa actualmente o lugar mais visível, na cena americana ou na recém-inaugurada Bienal de Veneza, por exemplo, toma como ideia central a crise económica, a ameaça da doença (a sida), um terror sem identidade ou explicitamente resultante do recrudescimento dos confrontos com a pobreza, com as minorias étnicas, com os novos autoritarismos; e nessa amálgama imprecisa de ocasiões terminais é também a reedição da ideia do fim da arte que em simultâneo se exercita no interior fechado do «mundo da arte».
Sebastião Salgado trabalha contra a corrente. O retrato global que estabelece é, também, o de um mundo ameaçado, pela exploração desenfreada e o desilíbrio fatal entre os que têm acesso ao consumo e os que sobrevivem cada vez mais perigosamente («O Planeta dividido, sempre. O Norte em uma nova crise: a do excesso. O Sul, cada vez mais mergulhado na de sempre: a carência»). Mas ele mostra-nos que ainda há tempo, que ainda há lutas possíveis, e estabelece, nas suas fotografias e nos seus textos, direcções necessárias — a leitura paralela das suas longas legendas informativas é essencial. Com uma visão ecológica da História («a trajectória do bicho-homem, o que se adapta, o que sobrevive, o que crê. O que resiste, se preserva»), ele aposta nas mãos que trabalham e nos efeitos libertadores da desaparição do trabalho manual explorado. E nas possibilidades de regeneração do planeta («o cio da terra, o mais fecundo»).
A classe operária clássica, cujas condições de exploração teriam proporcionado a tomada de consciência do seu poder colectivo, dissolve-se, na Europa, num processo de terciarização crescente das economias mais desenvolvidas. Os poderes que se ergueram em seu nome, usurpando-o como miragem messiânica ou ficção despótica, desmoronaram-se por toda a parte. O que resta do trabalho? O que fotografa Sebastião Salgado. A dignidade, a força física, a vontade de resistir, o sonho.
A seu modo, ele refaz uma última Internacional («neste fim de século, que viu desmoronar o marxismo de estado, Salgado realiza fotograficamente o impossível: a reunião, pela última vez, dos proletários de todo o mundo», escreveu Jorge Calado, EXPRESSO, 26/10/91), irmanando os trabalhores ocupados nas mono-culturas que alimentam o Primeiro e o segundo Mundo, com os das grandes unidades industriais que utilizam a mão-de-obra intensivo do Terceiro Mundo (a transferência das indústrias pesadas e poluentes para fora dos países desenvolvidos) ou com as empresas faraónicas votadas à conquista da sobrevivência, como a construção dos canais de irrigação na Índia.
Salgado fotografa a permanência de práticas produtivas inalteradas desde há séculos (o açucar, as pescas), que sobreviveram às concepções simplistas do progresso, mas não descrê da mudança: para ele, «a crescente automatização de indústrias no mundo superdesenvolvido reflecte a materialização do conhecimento da espécie humana como um todo e de sua evolução».
Por outro lado, as suas fotografias são, num território cultural habitado pela ideia de catástrofe de fim de século, um olhar apostado no futuro. A produção artística que ocupa actualmente o lugar mais visível, na cena americana ou na recém-inaugurada Bienal de Veneza, por exemplo, toma como ideia central a crise económica, a ameaça da doença (a sida), um terror sem identidade ou explicitamente resultante do recrudescimento dos confrontos com a pobreza, com as minorias étnicas, com os novos autoritarismos; e nessa amálgama imprecisa de ocasiões terminais é também a reedição da ideia do fim da arte que em simultâneo se exercita no interior fechado do «mundo da arte».
Sebastião Salgado trabalha contra a corrente. O retrato global que estabelece é, também, o de um mundo ameaçado, pela exploração desenfreada e o desilíbrio fatal entre os que têm acesso ao consumo e os que sobrevivem cada vez mais perigosamente («O Planeta dividido, sempre. O Norte em uma nova crise: a do excesso. O Sul, cada vez mais mergulhado na de sempre: a carência»). Mas ele mostra-nos que ainda há tempo, que ainda há lutas possíveis, e estabelece, nas suas fotografias e nos seus textos, direcções necessárias — a leitura paralela das suas longas legendas informativas é essencial. Com uma visão ecológica da História («a trajectória do bicho-homem, o que se adapta, o que sobrevive, o que crê. O que resiste, se preserva»), ele aposta nas mãos que trabalham e nos efeitos libertadores da desaparição do trabalho manual explorado. E nas possibilidades de regeneração do planeta («o cio da terra, o mais fecundo»).
SALGADO mudou a natureza do foto-jornalismo, ou criou um outro modelo de intervenção, mais amplo ainda do que o ensaio fotográfico como o praticava W. Eugene Smith (1918-1978). Evitando as armadilhas do espectacular e do moralismo, e em especial mudando o conceito de tempo («desenvolveu-se na imprensa um conceito terrível que é o do imediato, e com a televisão o de super-imediato», dizia numa entrevista de 1986, Patrick Roegiers, «Le Monde»).
Cada reportagem de Salgado significa entre quatro semanas e quatro meses de permanência num mesmo local. «Para realizar uma fotografia preciso de tempo, de conviver com as pessoas. Chega o momento um que você já não incomoda ninguém. A fotografia muda de sentido e passa a ser parte da vida. É essa a riqueza. A câmara é um instrumento de relações humanas» (EXPRESSO, 13/4/90).
Depois de Trabalho, Sebastião Salgado já tem planos para um nova epopeia — o que não o impediu de ter cumprido há poucas semanas a encomenda para, durante alguns dias, retratar a cores o presidente Clinton. As grandes deslocações da população do globo, nas regiões áridas de África, do Leste europeu para Ocidente e do Sul para a Europa desenvolvida, nas fronteiras do México, na Ásia, serão o tema desse projecto igualmente desmesurado, com o nome provisório de «A Travessia» ou «O Homem da Travessia».
Cada reportagem de Salgado significa entre quatro semanas e quatro meses de permanência num mesmo local. «Para realizar uma fotografia preciso de tempo, de conviver com as pessoas. Chega o momento um que você já não incomoda ninguém. A fotografia muda de sentido e passa a ser parte da vida. É essa a riqueza. A câmara é um instrumento de relações humanas» (EXPRESSO, 13/4/90).
Depois de Trabalho, Sebastião Salgado já tem planos para um nova epopeia — o que não o impediu de ter cumprido há poucas semanas a encomenda para, durante alguns dias, retratar a cores o presidente Clinton. As grandes deslocações da população do globo, nas regiões áridas de África, do Leste europeu para Ocidente e do Sul para a Europa desenvolvida, nas fronteiras do México, na Ásia, serão o tema desse projecto igualmente desmesurado, com o nome provisório de «A Travessia» ou «O Homem da Travessia».
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